sábado, 6 de agosto de 2011

O PECADO DA ECONOMIA

 No semestre passado o professor da cadeira Medieval II solicitou uma resenha do livro "A Bolsa e a Vida" de  Jaques Le Goff. É um trabalho muito bem elaborado, com uma leitura gostosa e com descobertas fantásticas no decorrer da leitura. O mais interessante é a brincadeira  do "certo" e "errado" que o autor faz com todo o conteúdo do livro.
Para deixar todos com mais vontade de ler (^^), segue abaixo o trabalho que entreguei.
bjus!

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Bibliografia:

LE GOFF, Jaques. A Bolsa e Vida: economia e religião na Idade Média/ Jaques Le Goff; tradução Pedro João; Editorial Teorema Ltda: Lisboa, 1987.
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Nos seis pequenos capítulos que integram a obra “A bolsa e a vida”, o velho pesquisador, apaixonado pelo medievo e de larga experiência com o tema, leva o leitor a conhecer alguns valores existentes, entre o século XII e XIII, na Europa, mais precisamente sobre a usura e as suas consequências, procurando mostrar como um obstáculo ideológico pode entravar e retardar o desenvolvimento de um novo sistema econômico. Esse livro conta, um pouco, da história da economia e do pensamento econômico através dos homens, que são seus atores, ao invés de examinar sistemas e doutrinas.
Entre o dinheiro e o inferno” é o título do primeiro capítulo da obra, onde é feita uma explanação sobra a mistura que havia entre religião e economia, dinheiro e salvação quando se tratava da usura. A igreja católica, no auge do seu vigoroso desenvolvimento, encontrava-se em perigo, pois os velhos valores cristãos estavam sendo ameaçados pelo novo sistema econômico, capitalismo, que necessitava da utilização maciça de práticas, desde sempre, condenadas pela igreja. E é aí que se inicia, segundo o autor, “a luta encarniçada”, onde repetidamente era afirmada, através da manipulação dos valores e das mentalidades, a legitimação da diferença entre lucro lícito e usura ilícita.
O autor comenta sobre algumas mudanças que a cristandade teve que fazer para se adaptar ao novo momento. Uma dessas transformações diz respeito a concepção do pecado, que passava a ter gravidade a partir da intensão do pecador, provocando profundas alterações na prática da confissão, de coletiva e pública para individual e privada.
Algo muito interessante que o autor citou, ainda nessa primeira parte, foi os dois principais tipos de documentos, não oficiais, usados para entender os acontecimentos abordados no decorrer do trabalho bibliográfico: os manuais de confessores e os exemplum.
O segundo capítulo tem como título “A bolsa: a usura”, que, em suma, explora a visão pecaminosa dessa “bolsa”, repleta de lucros ilícitos, que o usurário carrega consigo. Aqui é deixado claro que a usura e o juros não são sinônimos. A usura multiplica o imultiplicável, obtém lucro daquilo que não produz, o dinheiro. E muitas das explicações e justificativas para condenar essa prática foram retiradas da bíblia, que, por se contradizer em muitos casos, torna-se maleável ao gosto de quem a utiliza. Iniciando, segundo Le Goff, uma longa tradição cristã de condenação da usura.
Essa prática torna-se sinônimo de roubo, injustiça, ilegitimação, pecado, avareza, infecundação, podridão e morte. Mas, acima de tudo, de ameaça. Ameaça aos valores cristãos, ameaça a justiça, que é virtude dos reis, e ameaça a economia, pois muitos homens abandonavam a sua profissão para se tornarem usurários, reduzindo a ocupação do solo e da agricultura, trazendo, assim, o fantasma da miséria e da fome. No decorrer do texto o autor detalha as horrendas comparações e semelhanças que são impostas a essa prática, para tentar extingui-la definitivamente da Europa, entre os séculos XII e XIII.
O roubador do tempo era outra condenação do usurário. O roubador de Deus. Pois Ele é o dono do tempo e quem vende desse tempo vende um bem de outro, exercendo o roubo, o roubo a Deus. Le Goff reservou o capítulo 3 para mostrar que o semita era o principal representante da usura, porque possuía o mesmo deus do cristão, Javé, mas não seguia as leis propostas pela cristandade, tornando-se mais pecador que todos os outros.
Como Le Goff afirmou, “o usurário é um dos heróis favoritos destas histórias tecidas de maravilhoso e de quotidiano”, e o que não faltou foram trechos desses relatos no capítulo 4. A maioria deles falam sobre a morte e o inferno, preparados para o maior de todos os pecados, aquele que rouba Deus e que peca até quando dorme.
O capítulo 5, que tem como título “A bolsa e a vida: o purgatório”, já começou dando a idéia de saída, solução e perdão. Nele são desmistificadas várias idéias que o texto constrói no decorrer da leitura. Uma delas é a de que muitos eram os usurários que, no momento da morte, negavam o perdão divino e a restituição dos bens roubados, pois essa atitude de descrença, no século XIII, é mais uma hipótese fantasiosa do que um fato real. Outro esclarecimento feito nessa parte do texto é de que nem toda usura era ilícita, apenas aquela que ultrapassava a taxa de juros delimitada pelo mercado.
Haviam saídas para o usurário. Após a morte ele poderia ficar no purgatório a espera do Juízo Final. E nesses momentos ema boa mulher e fiéis amigos eram úteis. A intersecção, segundo a mentalidade cristã da época, eram agentes que auxiliavam na purificação da alma que estava a espera do perdão. O último capítulo trata do valor das lágrimas para a salvação.
O livro de Jaques Le Goff possui 119 páginas de pura diversão. Com relatos documentais escritos e explicados de forma simples e agradável, a obra é um verdadeiro “manjar dos deuses” de conhecimento.
É taxado como um livro de economia, ou melhor, de história econômica, mas também possui informações sobre diversos campos históricos, como a religião, a mentalidade, o semitismo e a mulher do final da Idade Média.

Maísa Moura.